Dos desafios às conquistas
O período é de transformação e vem cheio de desafios. Que o Agronegócio é a locomotiva do nosso país, já sabemos. Em 2020, o setor teve um crescimento recorde de 24,31% no PIB e foi responsável por um terço dos novos empregos no Brasil. Tenho participado de diversas discussões sobre o desenvolvimento do Agro brasileiro e alguns dados me chamaram a atenção.
De acordo com Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil precisaria crescer em 40% a produção agrícola até 2031 para que a fome fosse erradicada do mundo. Uma grande responsabilidade, não acham?
Nem tanto, se levarmos em consideração um estudo publicado pela Embrapa* publicado no começo deste ano. A pesquisa mostrou que o Brasil alimenta 10% da população mundial, ou seja, 800 milhões de pessoas. Ainda apontou que o nosso país produz cerca de 10% do trigo, da soja, do milho, cevada, arroz e carne bovina consumidos no mundo. Vale a pena acessar e checar toda a base de dados estatísticos que eles utilizaram.
Passamos por um momento de transição, pós pandemia, em que precisamos produzir mais e ao mesmo tempo, manter a preservação ambiental. O Brasil possui 66% do território coberto com vegetação nativa – é o que mais preserva, se comparado com os 10 maiores países do mundo. Por exemplo, os Estados Unidos apresentam menos de 20% de áreas preservadas ou protegidas em sua geografia.
O segredo para seguirmos líderes no Agronegócio mundial é aumentarmos a produtividade. A lição está enraizada em nossa história. De acordo com dados da Conab (2020), a partir da safra de 1976/77, tivemos um aumento de 559%, ou seja, 6,6 vezes na produção ao longo de quatro décadas. Saímos de 47 milhões de toneladas para quase 260 milhões. O ganho de produtividade foi um dos fatores que conduziram o crescimento. A área plantada cresceu apenas 77%, o que representa ganhos de produtividade na ordem de 270%.
Você deve estar se perguntando, como o país se tornou uma potência agrícola? A explicação está vinculada aos recursos naturais – terra, água e clima tropical favoráveis, mudança na política agrícola e investimento público e privado em tecnologia.
Quais os obstáculos que enfrentamos agora? Em minha opinião, temos três principais – e alguns “velhos conhecidos” – como Crédito, a Inovação e a Comunicação. De certa forma, todos estão conectados.
Para investir, o produtor ou a indústria precisam de financiamentos. Por exemplo, implementar o ILFP – Integração Lavoura Pecuária Floresta. O sistema integrado permite otimizar a utilização da terra, melhorar a produtividade, diversificar a produção, além de possibilitar a redução de gases causadores de efeito estufa.
As linhas de crédito são oferecidas com suporte do governo, através do Plano Safra, e também pelos bancos privados. Em setembro, o Banco Central elevou a Selic para 6,25% ao ano – o quinto aumento consecutivo. O aumento é uma tentativa de controlar a inflação, mas influencia de forma negativa nos investimentos produtivos. Resultado? Crédito mais caro e menos acessível à cadeia do Agro de maneira uniforme. Para os pequenos e médios produtores, as linhas de crédito são muito caras e, muitas vezes, limitadas. Uma saída é eles se associarem às cooperativas para serem mais competitivos.
Algumas Agtechs já oferecem soluções e vieram para revolucionar. Recentemente, em nosso podcast Rural Ventures, em que eu, Fernando Rodrigues e Kieran Gartlan falamos de startups no setor do Agro, nós conversamos com o Bernando Fabiani, CEO da Terra Magna. A proposta da startup é abrir novas oportunidades de financiamento no setor. “É desatento quem não tem fé na Agricultura brasileira”, concluiu Bernando.
O mercado de Capitais também tem sido um aliado das empresas em termos de captação de crédito. Somente neste ano, quatro empresas do Agronegócio abriram capital na Bolsa (B3) e, frequentemente, vemos emissões de CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) e Títulos Verdes ( Green Bonds). Um outro avanço neste sentido foi a aprovação do FIAGRO (Fundo de Investimentos do Agronegócio) em março deste ano.
Mas vale um alerta aqui. Para participar destas novas modalidades de crédito, o planejamento financeiro é essencial. Controlar fluxo de caixa, fazer a gestão de risco e de pessoas, práticas de comercialização para garantir a rentabilidade e uma política de boas práticas podem facilitar o acesso ao financiamento.
Com linhas de crédito, todas as cadeias que compõem o Agro podem investir em novas tecnologias. Vamos pensar apenas dentro da porteira. Drones, programas para controlar a pesagem do boi e monitorá-los, sementes resistentes à um clima seco, colheitadeiras autônomas que funcionam com GPS e são monitoradas por uma central de controle, entre outras.
A agricultura digital pode revolucionar e transformar a produção de alimentos – resultando em mais qualidade e produtividade. Ainda de acordo com um estudo da Embrapa, cerca de 84% dos produtores utilizam pelo menos uma tecnologia digital, porém apenas 30% das propriedades rurais estão conectadas à internet. Este descompasso é o desafio para seguir avançando.
Por último e não menos importante, gostaria de reforçar a construção da imagem do Agro internamente e também para o exterior. O nosso país possui uma diversidade de vantagens competitivas se comparado às demais nações produtoras de commodities. Precisamos construir uma identidade e comunicar através de projetos, esforços para fortalecer a nossa marca país junto às cadeias produtivas integradas, organizações setoriais e até mesmo a indústria.
Somos sustentáveis, referência em produção de commodities e uma das nações líderes na utilização de energia renovável. É o setor que mais contribui para geração de riquezas, empregos e desenvolvimento do Brasil. Vamos juntos abrir as porteiras para o mundo e SIMPLIFICAR para alavancar!
Roberta Paffaro, jornalista, economista e especialista em Agronegócio, Gestão de Risco em Commodities Agrícolas (Comercialização e Hedge). Cursos em Memphis e NY. Mestranda em Agronegócio-FGV/SP. Diretora de Desenvolvimento de Mercado Internacional, Commodities, América Latina, CME Group. Palestrante e Co-autora de livros. Mentora e AgroInfluencer. Integrante da Liga do Agro.
*Pesquisa Embrapa link: https://www.embrapa.br/documents/10180/26187851/Popula%C3%A7%C3%A3o+alimentada+pelo+Brasil