Há três meses estamos atuando em nome vida, talvez um dos maiores desafios de superação dos últimos tempos, maior que a crise econômica global em 2008 e podendo ultrapassar até mesmo a crise global pós Segunda Guerra Mundial. As rotinas no campo e na cidade foram alteradas, a produção na fazenda e na indústria sofreram adaptações, pessoas passaram a exercer suas atividades profissionais em casa, entretanto o que mais intriga é que ainda não está claro o que está por vir e como tudo isso vai acabar. Por outro lado, é sabido que o famoso dito popular: “mar calmo não faz bom marinheiro” cai bem para vestimenta do agronegócio brasileiro.
É nesse contexto que surge a discussão sobre a resiliência, um conceito originário da física, onde determinado corpo ou material possui capacidade de acumular ou assimilar energia, isto quando exigido ou submetido ao estresse sem que haja ruptura. Portanto, após a “tensão” finalizar poderá haver ou não uma deformação, uma cicatriz, ou ainda algo residual causado pela histerese do material. Fazendo uma analogia ao agro brasileiro, seria entender o quanto ele suporta essa crise sanitária e o quanto poderá absorver de impacto sem sua ruptura, ainda que pandemia gere sequelas graves.
Holling (1973) cita, em seu livro “Resilience and stability of ecological systems”, que determinados sistemas submetidos a crises, estresse e desafios podem sofrer o ciclo adaptativo. Ou seja, o agro pode expandir, manter-se vigoroso, passar crises e até se aproximar de uma ruptura, mas a tendência é que sua capacidade adaptativa somada a sua resiliência o fará se reorganizar, absorver e dispersar a pressão, bem como lidar com as mudanças. E claro, como és gigante pela própria natureza, permanecerá vivo e forte.
Figura: Ciclo Adaptativo.
Desde 1990, cientistas naturais e agrários, economistas, cientistas sociais e matemáticos têm trabalhado conjuntamente na elaboração de uma teoria da resiliência, no desenvolvimento de modelos e aplicações desta teoria e na avaliação de estudos de casos. Uma destas redes de pesquisa multidisciplinar continua até os dias de hoje, a “Resilience Alliance”. Em 2011 apresentei um trabalho cientifico interdisciplinar no congresso na cidade de Tempe, Arizona (EUA), na ocasião discuti a resiliência do setor produtivo agropecuário do Noroeste de Mato Grosso em se adaptar as mudanças das normas legais, ao desmatamento e às queimadas, bem como sua capacidade de manter seu sistema ativo e não colapsar em meio às dificuldades econômicas e várias adversidades.
O Agronegócio brasileiro talvez seja um dos setores mais resilientes no Brasil. Entretanto, nem sempre a superação faz parte de todas cadeias produtivas. Há áreas produtivas em tamanhos diversos, cadeias mais industrializadas e outras nem tanto. Portanto, o ciclo adaptativo não é o mesmo para todos os setores do agro. Segundo Holling (2002), em sua obra “Resilience and Adaptative Cycles, in Panarchy: Undertanding Transformations in Human and Natural Systems”, haverá sistemas que irão expandir e sistemas que irão se adaptar, podendo aumentar ou diminuir sua escala produtiva, enquanto outros irão manter a sua estabilidade. Cada realidade deverá, então, ser tratada com atenção para manutenção e preservação dos mais nobres setores do agro brasileiro.
Os números recentes publicados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) nos mostram que algumas cadeias produtivas nos levam ao franco crescimento, como é o caso da soja, carnes bovina e suína, e algodão tiveram desempenho positivo em vendas externas, apesar da pandemia do corona vírus, além disso, registram marcas históricas. A CONAB noticiou em março que o país colheu a maior safra da história: 251,8 milhões de toneladas de grãos e as exportações cresceram 13,3% comparadas com março de 2019. Além disso, pela primeira vez, o Brasil ultrapassará os EUA na produção de soja, com produção estimada em 122 milhões de toneladas. No milho, estamos em patamares nunca antes visto: na casa dos 100 milhões de toneladas. O amendoim cresceu 25%, trigo 5,4%, feijão 3,3% e arroz 1,2%, alimentos que em geral seguram o abastecimento interno.
Em março de 2020 o agronegócio brasileiro respondeu por 48,3% das exportações brasileiras. A media do trimestre deste ano coloca o agro com a fatia de 43,2% das vendas ao exterior.
A população precisa saber que cada vez mais o agro representa o crescimento do país, dos 10 produtos mais exportados do Brasil, sete saem das fazendas. São eles (valor em dólares): soja (26 bilhões), petróleo (24 bilhões), Minério de ferro (22,2 bilhões), celulose (7,5 bilhões), milho (7,4 bilhões), carne bovina (6,5 bilhões), carne de frango (6,3 bilhões), manufaturados (5,9 bilhões), farelo de soja (5,8 bilhões) e café (5,1 bilhões).
Contudo, os números dos setores de hortifrutigranjeiro, flores, etanol (milho e cana de açúcar) os colocam em situação delicada. Com a queda do consumo repentino, isolamento social, restaurantes fechados, fluxos comerciais desequilibrados, esses setores menores entraram em colapso no curto prazo. São cadeias que atuam mais próximas da ponta final e, por isso, mais perecíveis, mas a tendência é que o sistema renasça e se levante no médio e longo prazo. Portanto, acredito na reoxigenação e sobrevivência destes setores após esse desarranjo, pois há uma demanda reprimida que deve se reestabelecer em breve.
A resiliência, inovação, adaptação, a sustentabilidade com toda certeza serão palavras-chaves para o momento e para o pós Covid-19, pois lidar com o “inimigo” desconhecido, sem armas, contando somente com o isolamento social nos levará a uma provável dilação do prazo de encerramento desta guerra. Portanto, não haverá soluções genéricas. Cada setor, cada fazenda, cada indústria, cada cidadão, cada empresário, cada feirante, cada agricultor ou pecuarista deverá adaptar seu negócio, suas práticas e suas variáveis de gestão à luz da dificuldade que você enfrenta.
Aspetos de governança, transparência, economia, responsabilidade social são também importantes neste momento, pois podem facilitar ações para auxílios financeiros de bancos, dos governos e das cooperativas agropecuárias. Poderá sim, e devemos agir em rede colaborativa, nos unindo, promovendo governança, responsabilidade social unindo setores de grande, médio e pequeno porte.
A dimensão da crise ainda é imensurável para todos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) já cita uma queda de 7,5% na economia da Europa, 5,9% nos EUA e estimados 5 a 6% no Brasil. A recessão é um desafio enorme para todos, mas assim como em outras crises o setor agropecuário deve liderar a saída da crise e a retomada da economia. Temos visto indústrias, fazendas, setores adotando protocolos cada vez mais responsáveis para dar manutenção à produção, à comercialização e às vendas (nacionais e internacionais). Nota-se que não houve escassez de alimentos quando muitos propagavam o apocalipse. Assim, a agropecuária mostrou resistência à crise e capacidade de resposta extraordinária. O Agro não parou, continuou com responsabilidade!
Se não bastasse a dificuldade, em meio ao caos, o setor teve ainda um pouco de bonança. O preço do petróleo caiu, derrubando assim os preços dos fretes, do transporte e amenizando os desafios da logística brasileira. Além disso, ao contrário do que muitos pensam, não estamos dependentes da China, o setor abriu mercados com vários outros países e mantém com vigor relações comerciais com a Ásia inteira, Oriente Médio, e, mesmo com o forte protecionismo, com a Europa. Somente de janeiro de 2019 a março de 2020, foram abertos 48 novos mercados em 23 diferentes países.
A dificuldade brasileira não é de hoje, a recessão econômica, precisamos relembrar, começou em 2014. O país teve Produto Interno Bruto negativo em 2015 e 2016. Em 2017, 2018 e 2019, crescemos apenas 1%. Considerando setores fortes no Brasil, vemos que a construção civil, em análise acumulada até 2019, caiu 27%, já a indústria de transformação, 9,4%. Por outro lado, a agropecuária cresceu 15%. Parace estranho, mas é a segunda vez que o pais entra em recessão e o agro cresce. Existem fatores preponderantes para este sucesso: ciência, tecnologia e recursos naturais. Esses fatores somados proporcionam “gordura” para mitigar os impactos de uma crise e manter a competitividade com manutenção aos custos fixos e escala em produção.
Sem dúvidas o agro está preparado, com capacidade de produção, entrega, vendas, empregos e geração de renda. Contudo, ainda deverão existir adaptações que precisam estar no radar, como as mudanças de comportamento e consumo, as mudanças climáticas e novos protocolos ambientais de produção deverão ser cobrados por compradores e financiadores. Os investimentos deverão ser em tecnologia, saúde (higiene, sanitária) e sustentabilidade.
O fato é que o agro é um caso a ser estudado com ótimos percentuais de sucesso, mas há o pequeno e médio produtor que ainda sofre e padece em meio a crise. O agro tem superado todas as crises até agora, mas deve estar alerta ao bom uso dos recursos naturais, à tecnologia e inovação, bem como o grenciamento de uma boa reputação, se mantendo distante de problemas ambientais como desmatamento, queimadas e poluição. Esses aspectos serão cada vez mais cobrados não só no campo, mas também na cidade.
Sendo fiel à vocação de bom uso dos recursos naturais e capacidade de inovar, o agro se tornará cada vez mais resiliente, não só para enfrentar a atual crise, mas também para mitigar os impactos das próximas que virão. O compromisso é grande e estaremos todos unidos para superá-lo.
André Luís Torres Baby é Engenheiro Florestal, possui MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela ESALQ/USP, mestre em Sustentabilidade pela FGV e compõe a Liga do Agro.