//Cooperativismo, liquidação e mentiras

Cooperativismo, liquidação e mentiras

O cooperativismo é uma das grandes ferramentas que o produtor rural dispõe para buscar o desenvolvimento de sua atividade agrária, sem dúvida alguma. Com a união de forças entre semelhantes, o homem do campo consegue posicionar-se no mercado de forma muito mais eficiente do que se fizesse o mesmo movimento sozinho.

Nesta onda de desenvolvimento, muitas cooperativas cresceram absurdamente e viraram grandes potências no agronegócio, passando a atuar em igualdade de condições com grandes traders internacionais, o que traz concretos benefícios para o produtor associado.

Entretanto, a experiência nos mostra que cooperativas podem se tornar campo fértil para dirigentes de má índole, que atuam na administração do negócio como se fossem vampiros presos ao pescoço da inocente vítima. Assim, quando uma cooperativa cresce, ela pode seguir por dois caminhos: o caminho da transparência e da gestão responsável ou o caminho da picaretagem.

E quem decide qual caminho seguir é o associado, quando entende ou não a importância da fiscalização. Quando o associado é desinteressado, não percebe que é o proprietário do negócio, participa das assembleias somente para comer o churrasco e vota sem saber do que se tratam as pautas, abrem-se porteiras para as gestões temerárias, como as que frequentemente temos notícias.

O estado do Rio Grande do Sul, que viu surgirem inúmeras cooperativas de grande porte no século passado, hoje, acompanha um sem fim de procedimentos de extinção destas associações, que deixaram um rastro de dívidas e produtores desapossados da sua produção.

Aliás, é sobre o processo de extinção das cooperativas que eu quero comentar.

Não raro, cooperativas mentem para o produtor rural mesmo na hora da morte, com o intuito de induzir o associado a aprovar as suas últimas deliberações. Isto acontece quando vendem a ideia de que precisam passar pelo processo de recuperação para voltar aos tempos de glória. A verdade é que cooperativa tem regramento próprio e não se submete a recuperação judicial ou extrajudicial da Lei 11.101/2005 (salvo exceções jurisprudenciais relativas às cooperativas de crédito).

As cooperativas, quando insustentáveis, passam pelo processo de liquidação, que envolve a arrecadação dos bens, o pagamento das dívidas (na forma do quadro geral de credores) e a extinção das atividades, tudo isto na forma da Lei 5.764/1971.

Mas por que então algumas cooperativas não explicam essa situação para o produtor? Ora, porque diretores insinceros querem que os associados aprovem suas deliberações nas assembleias.

Veja como as liquidações são divulgadas em alguns veículos de mídia:

“…(A cooperativa vai) recorrer ao pedido de liquidação extrajudicial com continuidade dos negócios (o equivalente à recuperação judicial)…”

E esta manchete:

“Associados prorrogam o estado de Moratória.”

E essa aqui, que mesmo depois da casa cair, segue vendendo a salvação da recuperação:

A promotoria e Polícia Civil fazem uma devassa de busca e apreensão nas unidades da (cooperativa) em várias cidades (…). A operação apura uma série de crimes de uma organização que estaria atuando na empresa envolvendo apropriação de soja e outros produtos dos associados, fraudes em documentos etc., tudo em prejuízo da própria Cooperativa.

Hoje a (Cooperativa) passa por grave crise e tenta uma recuperação judicial. A dívida é estimada em R$ 1,8 bilhão. São 6 mil associados ativos e capacidade para quase 1 milhão de toneladas.

Agora, sei que muitos leitores podem estar pensando: ”sim, mas eu conheço cooperativas que ingressaram com a liquidação e estão funcionando!”

Basicamente, são duas opções para que isto aconteça: ou a cooperativa vai tocando a liquidação enrolando os associados e os credores externos ou ela vai migrando sua atividade para outros CNPJs ao mesmo tempo em que deixa as dívidas com o CNPJ mãe da cooperativa.

Dito isto, reitero a minha constatação de que o produtor associado em alguma cooperativa precisa sempre: a) compreender que a cooperativa é seu patrimônio e os diretores que ali estão são funcionários contratados para gerir os negócios de acordo com as melhores possibilidades para os seus proprietários e b) exercer a efetiva fiscalização dos atos da diretoria, tanto em assembleia como fora dela.

É isto ou o associado assume o papel de mero expectador, torcendo para que tudo dê certo com a sua cooperativa. 

 

Francisco Torma, advogado. Graduado em Direito pela UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Tributário pela UNIJUÍ. Pós-graduando no MBA de Agronegócios da USP/ESALQ. Coordenador do portal AgroLei.com. Membro da UBAU. Co-fundador do projeto Direito Agrário Levado a Sério. Mentor da Liga Universitária de Agraristas – LUA.