//Para Mattiello, preço do café estipulado pelo Mapa está defasado

Para Mattiello, preço do café estipulado pelo Mapa está defasado

Segundo ele, para a solução dessa situação caótica da cafeicultura, dentre os diversos pontos, está sendo criada a Organização dos Países Produtores de Café (OCAFÉ)

Armando Mattiello é engenheiro agrônomo, fundador e presidente da Associação dos Cafeicultores do Brasil (Sincal), que tem como objetivo defender os interesses dos cafeicultores do país. Ele afirma que o preço mínimo do café estipulado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não leva em consideração os custos fixos, com isso, o preço está defasado em pelo menos 30%, tanto para o arábica, quanto para o conilon.

Mattiello também é cafeicultor, sócio fundador e atual diretor do Sindicato dos Produtores Rurais do município mineiro de Guapé, MBA em Agribusiness na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e possui mais de 120 trabalhos de pesquisas publicados e apresentados em congressos de café, nematologia, fitopatologia e entomologia; assuntos pertinentes ao setor como panorama, especulações, futuro da cafeicultura e a atual crise dos preços.

O que é e qual o objetivo da Associação dos Cafeicultores do Brasil (Sincal)?
A Associação dos Cafeicultores do Brasil (Sincal) é uma entidade, sem fins lucrativos, apartidária e democrática com abrangência nacional (a única com essa característica) e tem como objetivo defender os interesses dos cafeicultores do Brasil, tanto os produtores de arábica, como os produtores de conilon. A diretoria é composta por diversos especialistas do setor e representantes de praticamente todos os Estados brasileiros (produtores de café). Defendemos junto ao setor governamental políticas de interesse da classe.

O que vem ocasionando preços tão baixos para o café? Na história recente, essa é a pior crise do setor?

O que ocasiona os baixos preços do café não são os estoques e muito menos a produção do Brasil, como muitos alegam. O principal fator é a especulação, principalmente, na bolsa de Nova York pelos grandes oligopólios/multinacionais, que atualmente estão centralizados em 5 ou 6 grandes compradores manipulando a bolsa através dos algoritmos e não levando mais em consideração os fatores fundamentais como: seca, geada, estoques baixos, bienalidade, entre outros. Essas grandes multinacionais estão amparadas em verdadeiros gênios da informática para manipularem as bolsas.

Considero a pior crise do setor, pois as lideranças, o governo e os cafeicultores não se deram conta que deveremos sair das bases de preços de Nova York e de Londres (para o conilon) e partirmos para uma sistemática organizada em termos dos países produtores. A Sincal esteve nos últimos tempos em Brasília, participando em diversas frentes de trabalho como: Frente Parlamentar do Café, Ministério da Economia, Ministério da Agricultura, Itamaraty e falamos com o vice-presidente da república, general Hamilton Mourão, juntamente com o deputado federal general Peternelli, os quais nos deram total apoio. O general Mourão ficou sensibilizado com a situação crítica dos 308 mil cafeicultores, 2 milhões de trabalhadores rurais e da sociedade em geral dos 1.700 municípios produtores. Para a solução dessa situação caótica da cafeicultura, dentre os diversos pontos, estamos criando a Organização dos Países Produtores de Café (OCAFÉ), cujo objetivo é acertarmos uma política cafeeira de maneira democrática entre os países que venham trazer um preço mínimo de exportação que cubra os custos de produção e remunere os 3 milhões de cafeicultores e as 25 milhões de famílias envolvidas com a cafeicultura mundial. 

Em muitos países, as pessoas estão explorando mão de obra infantil e ainda dormindo com fome. Como pode uma situação dessas, em pleno século XXI, tratando-se de um produto que traz um faturamento mundial para os comerciantes de 250 bilhões de dólares e os países produtores ficando somente com 8 a 10% desse valor? A agenda econômica/social para 2030, cujo Brasil é signatário entre praticamente todos os países do mundo, cuja finalidade é erradicar a pobreza até 2030. Não há dúvida que a OCAFÉ será um fator preponderante para eliminarmos ou mitigarmos essa pobreza nesse contingente enorme de cafeicultores e trabalhadores envolvidos. No total de pessoas envolvidos na produção de café chegamos a 25 milhões de famílias e, 100 milhões de pessoas dependentes economicamente da atividade.

Alguns analistas de mercado e corretores afirmam que os preços do café continuarão caindo pelo menos até 2021. Qual sua opinião?

Essas informações não passam de fake news. Um dos fatores que o mercado mais utiliza para derrubar os preços são as mentiras e dados falsos. Logicamente, ficam com esses factoides para interferir diretamente nas bolsas e continuar fazendo do café lucros exorbitantes. Podemos traçar para o café uma analogia baseado no filme Diamante Blood. Para o setor estamos usando o termo Café Blood. A solução para tal em primeiro plano é a criação da OCAFÉ. Esses Fake News são utilizados pelos grandes comerciantes e até pelas nossas pseudo-lideranças que, lamentavelmente, vêm tirando do setor produtivo na faixa de 6-7 bilhões de dólares, somente no Brasil. Vejam o absurdo da OIC (Organização Internacional do Café) que manipulou os dados da produção brasileira aumentando a nossa produção em 9 milhões de sacas da safra 2019/2020. A OIC tem por obrigação seguir as nossas previsões que são realizadas pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) a qual constatou para safra 2019/2020 uma produção de 49,3 milhões de sacas de café. Com essa majoração proposital e criminosa conseguiram manter ou até derrubar os preços tirando a possibilidade de uma alta expressiva prejudicando os cafeicultores do Brasil e de outros países. Além disso,  trazendo malefícios para a sociedade de modo geral.

“Vejam o absurdo da OIC que manipulou os dados da produção brasileira aumentando a nossa produção em 9 milhões de sacas da safra 2019/2020. A OIC tem por obrigação seguir as nossas previsões que são realizadas pela CONAB, a qual constatou para safra 2019/2020 uma produção de 49,3 milhões de sacas de café”

O que você acha dos atuais preços mínimos do café, que não cobrem sequer os custos de produção. Uma política pública que devemos reivindicar ou os cafeicultores devem cruzar os braços? 

O preço mínimo de café estipulado pelo Mapa é um crime. Eles não levam em consideração os custos fixos para basear o preço mínimo, somente os custos variáveis. Com isso, o preço mínimo está defasado em pelo menos 30% tanto para o arábica, quanto para o conilon. Os preços mínimos reais calculados por diversas entidades deveriam ser de R$ 505,00 (para o arábica) e R$ 340,00 (para o conilon). O Mapa estabeleceu como preço mínimo R$ 363,00 (para o arábica) e R$ 210,00 (para o conilon) para a safra 2019/2020. Isso é prevaricação, que é crime e deveriam respeitar o artigo 187 da constituição e do estatuto da terra (Lei 4504, Art. 73 e 85). Na audiência da Frente Parlamentar de Café do dia 07/05/2019, o próprio presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Sr. Newton Araújo Silva Junior, confirmou em público, de forma cristalina, que a Conab fixa o preço mínimo, baseado somente em custos variáveis. O cafeicultor está desinformado e desconhece todas as argumentações que acabei de descrever. Na realidade, no mercado, algumas cooperativas e o governo, sequestraram o conhecimento dos cafeicultores.

O que o governo federal pode fazer para minimizar esta situação?

Primeiramente, o governo federal tem que seguir a lei, tanto o que está na Constituição, como o que está no Estatuto da Terra. No momento, o governo tem que corrigir urgentemente o preço mínimo e apoiar, incondicionalmente, a criação da OCAFÉ com os principais países produtores que, muitos dos quais, estão adentrados e totalmente dispostos a aderir à Organização dos Países Produtores de Café. A Criação da OCAFÉ foi muito bem trabalhada pela SINCAL, nos diferentes Ministérios em Brasília e somente interrompemos a continuidade da criação da OCAFÉ em decorrência a pandemia do Covid-19, onde estamos impossibilitados de realizar as reuniões que se fazem necessárias.

Qual foi a importância da Organização dos Países Produtores de Café (OCAFÉ) no mercado?

Para a criação da OCAFÉ, onde expomos e tivemos uma posição de apoio do general Hamilton Mourão, que analisou o aspecto econômico e também enxergou um horizonte geopolítico, sendo o Brasil o protagonista da criação da OCAFÉ. Os objetivos são:

1) Preço Piso para exportação democraticamente estipulados juntamente com os demais países produtores, como ocorreu à própria sugestão da Colômbia no segundo Fórum Mundial de café, ocorrido em Campinas, no ano de 2019, onde a Colômbia, propôs US$ 2,00 (dois dólares) por libra peso para o preço piso do arábica. Logicamente, sabemos que para os centrais e México o custo de produção é superior a esses US$ 2,00 por libra peso. Portanto, a fixação do piso deverá ser feito de acordo com a maioria dos países produtores de café. No caso do Conilon, teremos que estudar uma modalidade que venha satisfazer o setor produtivo. Sabemos que os produtores de Conilon sofrem dos mesmos males que os produtores de arábica e o preço piso necessita ser urgentemente corrigido.
2) Fazer um marketing intensivo a nível mundial para aumentar o consumo de café, pois somente 25% das pessoas do mundo tomam café. Portanto, temos um grande mercado pela frente a ser conquistado aumentando a demanda via ações de marketing. Esse é um tema que merece uma abordagem a parte dessa entrevista. O marketing será a solução para o aumento de consumo de maneira vertiginosa. É inconcebível somente 25% das pessoas tomarem café a nível mundial. A Associação dos Cafeicultores do Brasil, já tem fundamentado um plano de marketing que deveremos fazer com outros países para aumento do consumo.

3) Caso tenhamos uma sobreoferta, enquanto não ocorrer o ajustamento estruturado via marketing cada país ficará responsável em criar um estoque estratégico entre 5-10%.

4) Uma logística inteligente, como o acima exposto, para não ocorrer super produções.

O que o senhor pensa sobre o papel do Conselho Nacional do Café (CNC) hoje? O CNC está cumprindo seu escopo de lutar pelo bem estar do cafeicultor?
O CNC não representa os cafeicultores. A própria entidade se caracteriza como representante das cooperativas (principalmente das maiores cooperativas de café do Brasil). O Estatuto do CNC, nas suas 2 primeiras páginas, define as obrigações desse conselho perante os cafeicultores propriamente ditos, mas, lamentavelmente, nada do que está especificado está sendo cumprido. Essas obrigações deixaram de ser cumpridas há anos e os cafeicultores tornaram-se reféns do próprio CNC. A composição do Conselho Deliberativo da Política Cafeeira (CDPC) está incluso o CNC entre diversas entidades que compõem o citado conselho e que não cumprem com suas obrigações perante o setor produtivo. Cito, como exemplo, a distribuição das verbas do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé). Verba essa originária de um fundo que foi adquirido nas exportações de café e descontado dos cafeicultores um determinado valor por saca de café, que originou o Funcafé e que, hoje, está servindo a outros seguimentos do agronegócio café como: ABIC, ABICS, exportadores, cooperativas, entre outros e, ao final, uma pequena parcela chega ao cafeicultor. 

Além disso, quando pegamos a relação dos agentes financeiros que recebem verbas do Funcafé é nítido e claro que são entidades financeiras, na sua grande maioria, bancos de asfalto que não estão presentes nas regiões cafeeiras. Citamos alguns exemplos como: Banco Votorantim, Banco do Japão, Banco da China, Banco Fibra, Banco ABC, Banco Amro, Banco Original (da JBS), entre outros que o cafeicultor nem conhece e, logicamente, essas verbas designadas a esses bancos são utilizadas, como exemplo, pela indústria e Cooperativas. 

A Indústria tem faturamento diário por hora e por minuto. Pergunto: Por que as indústrias que estão ganhando “rios” de dinheiro com esses preços baixos do café utilizam do Funcafé? No meu entendimento sempre essas verbas são utilizadas para outros fins distante da produção. A representação do CNC nos organismos e reuniões internacionais é inócua ao setor produtivo. Nós, da Associação dos Cafeicultores do Brasil, julgamos que somos os representantes de fato dos cafeicultores. O CNC, como cuida das cooperativas, que fique como representante delas e a Associação dos Cafeicultores do Brasil representando os cafeicultores. Mesmo porque a associação tem uma diretoria composta por cafeicultores, porém, com formações profissionais das mais distintas e intelectualizadas, tais como: engenheiros agrônomos, professores universitários, advogados, economistas com pós–graduação na Europa, profissional de marketing com curso na Alemanha e na Escola Superior de Propaganda e Marketing, muitos dos quais são poliglotas. Nada melhor do que pessoas preparadas tanto do lado produtivo como do lado cultural para defender os cafeicultores. A entidade é democrática, apartidária, sem fins lucrativos e, com espaço para todos, tanto homens, como mulheres que compõem a nossa diretoria.

A criação da OCAFÉ não poderia resultar em um boom mundial de plantio de novas lavouras de café, uma vez que os preços estariam “protegidos”, aumentando ainda mais a oferta?

A criação da OCAFÉ será a salvação humanitária e econômica para os países produtores, os quais estamos em contato, como fizemos na reunião da Organização Internacional do Café (OIC), no México, em maio de 2018, onde nos reunimos com 26 países de praticamente todos os continentes, mas, principalmente os da América Central e do Sul. A adesão à organização OCAFÉ foi unânime. 

No dia 08 de maio de 2019, apresentamos ao vice-presidente da república, general Hamilton Mourão, um documento e detalhamos os pormenores e o mesmo considerou uma estratégia importantíssima e nos orientou os passos para a criação da entidade. A preocupação com o aumento de plantio de café em detrimento dos melhores preços que se faz necessário para mitigar a situação da pobreza a nível mundial, de acordo com a agenda 2030, que foi acertado com praticamente todos os países e o Brasil é um dos signatários. Além disso, estamos vivendo quase que cotidianamente a situação das correntes humanas dos países da América Central, que dependem do café, indo em direção aos Estados Unidos. Problema sério, provocado pela pobreza implantada nas regiões produtoras de café. Acrescentamos, ainda, que a pobreza leva ao discurso dos pseudo-socialistas nesses países implantando situações como estamos vendo na Venezuela e alguns outros da América Central. Todos esses aspectos foram amplamente discutidos com o general Mourão.

Portanto, teremos um preço piso médio e democraticamente acertado entre os países. Não me preocupo com o aumento de plantio. Essa retórica de superprodução já está viciada e mofada. Logicamente, melhores preços, maiores plantios, mais empregos e menor pobreza. O mundo está consumindo uma miséria de café. Cito três polos consumidores: Comunidade Europeia (consome 45 milhões de sacas de café), Estados Unidos (consome 25/26 milhões de sacas de café) e Brasil (consome 22/23 milhões de sacas de café). Na somatória dos três citados, consome-se por volta de 94 milhões de sacas, com uma população de 1,1 bilhão de pessoas, dando um consumo per capita/ano de aproximadamente 5,15 kg de café. Com uma população mundial de 7,6 bilhões de habitantes, poderíamos chegar num potencial total de uma ordem de grandeza de 650 milhões de sacas de café. 

Atualmente, o mundo consome somente 168 milhões de sacas que corresponde na ordem de 25% de consumidores. Cabe conquistarmos os outros 75% da população mundial. Lógico, que não chegaremos a esse consumo de imediato, mas, com uma ação estratégica e inteligente em marketing a nível mundial, o consumo aumentará vertiginosamente. Há décadas que não fazemos nada para aumentar a demanda de café. A OCAFÉ poderá, com uma estratégia de preço condizente e lucrativo aos produtores, destinar uma pequena parcela da exportação de todos os países que ao final dará um montante de recursos suficientes para o marketing em todos os cantos do mundo, inclusive, em muitos países produtores que não tomam café. Finalizando, o segredo está no marketing para o aumento do consumo e não no medo de superproduções, que serão bem-vindas.